terça-feira, 1 de março de 2011

OS KAINGANG E OS GUARANI NO PARANÁ: INIMIGOS MÍTICOS NO PASSADO, ALIADOS POLÍTICOS NO PRESENTE[1]


Kimiye Tommasino
Universidade Estadual de Londrina



Introdução

O Estado do Paraná foi palco de vários movimentos sociais envolvendo os Kaingang e os Guarani que vivem espalhados em várias áreas indígenas. O objetivo deste ensaio é tentar fazer uma reflexão antropológica dos movimentos sociais que levasse em conta a dinâmica das relações interétnicas. Os povos indígenas sempre foram protagonistas da história paranaense desde tempos imemoriais, mas na história oficial foram silenciados e apagados. Após a conquista, esses povos tornaram-se quase invisíveis por terem sido confinados em áreas definidas pelos Estado e por estarem, desde então, controlados e vigiados por instituições totalitárias. Nos movimentos sociais ou rebeliões tornaram-se hiper-visíveis e, para espanto da sociedade local e regional, fizeram-se presentes nos principais meios de comunicação de massa.

O Estado do Paraná possui hoje 18 Áreas Indígenas (AIs) onde vivem os Kaingang, os Guarani e alguns remanescentes dos Xetá. As AIs onde vivem os Kaingang são: Apucarana (município de Londrina), Barão de Antonina (São Jerônimo da Serra), São Jerônimo (São Jerônimo da Serra), Queimadas (Ortigueira), Mococa (Ortigueira), Marrecas (Guarapuava), Rio das Cobras (Laranjeiras do Sul), Palmas (Palmas), Mangueirinha (Mangueirinha), Ivaí (Manoel Ribas) e Faxinal (Cândido de Abreu). Os Guarani vivem nas seguintes AIs: Laranjinha (Santa Amélia), Pinhalzinho (Tomazina), Ocoí (São Miguel do Iguaçu), Cotinga (Paranaguá), Tekohá Añetete[2] (Diamante D’Oeste) e ainda nas TIs kaingang de São Jerônimo, Mangueirinha e Rio das Cobras. O fato de viverem em algumas TIs kaingang se explica por razões históricas: de um lado, os Guarani não receberam terras próprias do governo e, de outro, os Guarani (já pacificados anteriormente) foram utilizados pelos governos imperial e republicano como anteparo estratégico nos processos de conquista dos Kaingang arredios de toda a região. Uma vez conquistados os Kaingang, os Guarani permaneceram nas mesmas terras delimitadas das colônias indígenas do Império (colônias indígenas de São Pedro de Alcântara e São Jerônimo) e, depois, das reservas indígenas criadas no início do século XX pelo governo republicano. Os Kaingang falam a língua kaingang que pertence à família jê. Os Guarani falam a língua guarani que pertence à família tupi-guarani. No Paraná vivem três grupos dialetais guarani: os Nhandéva (Ñhandéva; Chiripá), os Kaiová (Kayoá; Kaiwá; Kaiowá) e os Mbyá (Mbüá; Mbiá). Na região norte do Estado vivem grupos nhandéva e kaiová. 

Por fim, temos menos de uma dezena de indivíduos da etnia xetá que vivem espalhados em terras kaingang ou fora das aldeias: são remanescentes de uma sociedade que vivia em várias aldeias na microrregião de Umuarama e foi destruída na década de 1960 por grileiros e fazendeiros. Os Xetá falam a língua xetá da família tupi-guarani.

Sobre a antiguidade das relações históricas entre os Kaingang e os Guarani

Os movimentos sociais indígenas que ocorreram na região norte-paranaense entre 1979 e 1986 mostraram, entre outras evidências, uma característica: a transetnicidade e a interetnicidade. Ao revelar essa face, esses movimentos expressaram uma dinâmica interna e externa de grande importância histórica. Ao se unirem, grupos indígenas de várias áreas da mesma etnia e também com grupos de outras etnias, romperam os limites geográficos de suas reservas onde são controlados no seu ir e vir. Mais que isso, romperam as fronteiras étnicas que separavam os Kaingang e Guarani, até recentemente.

Desde tempos imemoriais, esses dois grupos étnicos conviveram na mesma área geográfica e suas relações sempre foram, historicamente, de inimizade mútua, a qual, pode-se dizer, remonta aos tempos míticos. As freqüentes guerras que faziam entre si expressavam e reavivavam o mito e a inimizade. A construção da identidade étnica guarani se dá em grande medida em oposição à do Kaingang (embora não exclusivamente) e vice-versa.

Nimuendaju, estudioso de vários grupos guarani que habitam os estados do Paraná e São Paulo, descreve a concepção de alma dos Apapocuva (Guarani-Nhandéva), aqui resumida. O indivíduo, diz o autor,

 já nasce com um ayvucué, espécie de alma ou ‘sopro brotado’. (...) “Pouco depois do nascimento, vem juntar-se ao ayvucué um novo elemento que completa a alma humana: o acyiguá. O acyiguá  é uma alma animal. Os Apapocuva atribuem as disposições boas e brandas do homem ao seu ayvucué, as más e violentas, ao seu acyiguá. A calma é uma manifestação do ayvucué, o desassossego, do acyiguá. O apetite por alimentos vegetais e leves provém do ayvucué, o por carne, do acyiguá. As qualidades do animal que contribuíram como acyiguá para a formação da alma humana determinam o temperamento da pessoa em questão”.
(...)
“O caso naturalmente mais grave quando alguém possui o acyiguá de um animal predador. Os aguerridos Kaingýgn [Kaingang], inimigos dos Guarani, possuem invariavelmente um acyiguá de jaguar ou de gato do mato. O acyiguá de predador predomina totalmente sobre o ayvucué; por isso, os Kaingýgn não são “como” jaguares ou comparáveis a jaguares, ou simbolizados pelo jaguar: não, eles são intrinsecamente jaguares, apenas em forma humana” (Nimuendaju, 1987: 33-34; grifos do autor).

Dos inimigos históricos dos Guarani, podem-se citar os Guaykuru e os Chané que desencadearam contra eles terríveis guerras no século XVII, mas diz Nimuendaju:

“... para os Guarani, inimigos muito piores eram os Avavaí (Kaingýgn) que habitavam o leste do Paraná. Embora estes, no início do século XIX não se estendessem tão a noroeste do Estado do Paraná como hoje em dia, um dos maiores problemas dos pajés-principais sempre foi adivinhar a tempo a presença destas hordas inimigas, de modo a evitar um confronto. (...)”
“Conta-se que, há muito tempo, um grupo Guarani partiu da região de Cerro Ypehú, na fronteira paraguaia, para atingir o Yvý marãey [Terra-sem-Mal]. Transpôs o Paraná graças ao poder mágico de seu pajé, sem disto dar-se conta. Então, sem ser molestado, atravessou o território dos hostis Kaingýgn. No decorrer da viagem, entretanto, perdeu a fé no seu líder e decidiu retornar. Com terror, o grupo percebeu que as matas fervilhavam de inimigos. E, quando finalmente já se julgava próximo de sua pátria, deparou-se com as águas do Paraná, que lhe cortavam a retirada. Desesperado, fugiu novamente para leste, mas deu com os Kaingýgn, que mataram seus homens e reduziram à escravidão suas mulheres e crianças. Os descendentes daqueles que haviam escapado desta sina perambulam ainda hoje, perseguidos pelos Kaingýgn, sem casa e sem roça, como caçadores arredios e assustadiços, no território do  baixo rio Ivahy. As outras hordas os denominam de Yvaparé[3], que significa algo como “os que queriam ir para o céu”. Telêmaco Borba os chama de Aré, o que parece ser apenas uma mutilação de Yvaparé; pelos brasileiros são chamados de “Botocudos”, devido aos seus grandes batoques de madeira e às suas orelhas furadas. Eles nada têm em comum, além deste apelido, com as hordas aguerridas que habitam o sul do Paraná[4]. Sua língua é um autêntico dialeto Guarani, que lembra um pouco o Cheiru paraguaio pela pronúncia do ç como ch. Curiosamente, designam tanto o sol como a lua pela palavra pái (idem: 101-103)

Por outro lado, Nimuendaju analisou a mitologia e a cosmologia kaingang e verificou que estes também se concebem como jaguares.

Os Kaingýgn são jaguares; não só na opinião dos Guarani, mas eles próprios se denominam assim e se vangloriam de seu parentesco (literalmente entendido) com aquele animal predador. Quando pintam sua pele amarela com manchas ou listas negras para a luta, entendem que também na aparência se assemelham bastante ao jaguar, e o alarido que fazem no ataque soa quase como o grunhido surdo da onça quando está sobre a presa. Tudo isto não é absolutamente simbólico; levam tão a sério seu parentesco com o jaguar que, naquelas pessoas que eles mesmos denominam de mĩ-vẽ “aquele que vê jaguares”, estas idéias degeneram (sic) em uma forma peculiar de perturbação mental[5]. Este vidente, que se desenvolve a partir do mĩ-ñantí “aquele que sonha com jaguares”, crê-se amado pela “filha do senhor dos jaguares” (mi-g-tãn-fi), isola-se de todos os parentes e companheiros, e perambula solitário e selvagem pela mata até que lhe vêm alucinações em que o jaguar lhe indica o caminho até a jovem-onça” (Nimuendajú, idem: 118).

Complementado o repertório, o principal mito kaingang – coletado por Telêmaco Borba entre os Kaingang da bacia do Tibagi no final do século XIX – conta que, no passado distante, um grande dilúvio cobriu toda a terra habitada pelos seus antepassados.

“Em tempos idos, houve uma grande inundação que foi submergindo toda a terra habitada por nossos antepassados. Só o cume da serra Crinjijimbé emergia das águas.
Os Caingangues, Cayurucrés e Camés nadavam em direção a ela, levando na boca achas de lenha incendiada. Os Cayrurucrés e os Camés, cansados, afogaram-se:  suas almas foram morar no centro da serra. Os Caingangues e alguns poucos Curutons, alcançaram a  custo, o cume de Crinjijimbé, onde ficaram, uns no solo, e outros, pela exigüidade de local, seguros aos galhos das árvores; e ali passaram  muitos dias sem que as águas baixassem e sem comer;  já esperavam morrer, quando ouviram o canto das saracuras que vinham carregando terra em cestos,  lançando-a na água que se retirava lentamente.
(...)
Depois que as águas secaram, os Caingangues se estabeleceram nas imediações de Crinjijimbé. Os Cayurucrés e Camés, cujas almas tinham ido morar no centro da serra, principiaram a abrir caminho pelo interior dela; depois de muito trabalho chegaram a sair por duas veredas: pela aberta por Cayurucré, brotou um lindo arroio e era toda plana e sem pedras; daí vem terem eles conservado os pés pequenos; outro tanto não aconteceu a Camé, que abriu sua vereda por terreno pedregoso, machucando ele, e os seus, os pés que incharam na marcha, conservando por isso grandes pés até hoje. Pelo caminho que abriram não brotou água e, pela sede, tiveram de pedi-la a Cayurucré que consentiu que a bebessem quanto necessitassem.
Quando saíram da serra, mandaram os Curutons para trazer os cestos as cabaças que tinham deixado em baixo; estes, porém, por preguiça de tornar a subir, ficaram ali e nunca mais se reuniram aos Caingangues; por esta razão, nós [os Kaingang], quando os encontramos, os pegamos como nossos escravos fugidos que são. (...)” (Borba, 1908: 20-21).

Como podemos ver, os Kaingang explicam, miticamente, a inimizade com os antepassados dos Guarani. Por outro lado, frei Timótheo, que foi diretor do aldeamento de São Pedro de Alcântara entre 1854 e 1895, afirma ter encontrado dois grupos kaingang que tinham escravizado índios xetá a quem chamavam Curuton[6] (“sem roupa”) e que, como vimos, na explicação mitológica dos Guarani seriam os Yvaparé ou Aré, seus antepassados. Portanto, tanto o mito quanto a história comprovam a antiguidade das relações interétnicas entre os Kaingang e os Guarani. Comprovam também que aquilo que os antropólogos chamam de “estrutura” – as estruturas simbólicas de ordem cultural – produzem relações sociais concretas e, assim sendo, é um produto histórico. Os esquemas culturais são ordenados historicamente porque os homens, em maior ou menor grau, organizam seus projetos partindo de concepções preexistentes da ordem cultural. O que significa dizer que a cultura é historicamente reproduzida na ação (Sahlins, 1990: 07).

O Paraná, que já era palco de relações intertribais entre Kaingang e Guarani antes da chegada dos europeus, viu chegar com as expedições de conquista outros projetos que subverteriam, total e radicalmente, o curso da(s) história(s) dos povos indígenas.

Os Kaingang mantinham relações interétnicas não só com os Guarani mas também com outras etnias que viviam na região, como os Xokleng. Em geral essas relações eram de inimizade. Eles eram temidos pelos seus inimigos da mesma forma que estes eram temidos pelos Kaingang. O maior medo desses grupos estava na ética de guerra kaingang em que os guerreiros inimigos eram todos mortos e as mulheres e crianças raptadas (Mabilde, 1983; Schaden, 1959; Nimuendaju, 1983).

Os conflitos interétnicos anteriores à conquista não produziam perda ou ampliação dos territórios entre os contendores, mesmo porque a concepção de território indígena tem, para esses grupos, outro valor cultural. Explica Ramos (1986) “para as sociedades indígenas, a terra é muito mais do que simples meio de subsistência. Ela representa o suporte da vida social e está diretamente ligada ao sistema de crenças e conhecimento. Não é apenas um recurso natural – e tão importante quanto este – é um recurso sócio-cultural”. Nesse sentido, territórios não podiam ser troféu-de-guerra. No caso das guerras kaingang, as mulheres e as crianças eram raptadas e levadas para as aldeias inimigas. Esse era o grande medo dos Guarani.

As terras paranaenses, pelo Tratado de Tordesilhas, “pertenciam” aos espanhóis antes mesmo da “descoberta” e vinda deles. Para garantir efetivamente essas terras, os missionários espanhóis fundaram treze reduções no território que viria tornar-se o Estado do Paraná. A grande maioria dos índios reduzidos era da etnia guarani mas havia outras etnias de menor proporção, como revelam os documentos escritos pelos missionários. No entanto, muitos grupos guarani preferiram levar suas vidas livres nas florestas da região. Pela proporção que vinham tomando essas reduções, e tendo os portugueses interesse em estender seus domínios a oeste do meridiano das Tordesilhas, e, ainda, somando-se isso à necessidade de mão-de-obra indígena para as lavouras de São Vicente, Rio de Janeiro e São Paulo de Piratininga, os bandeirantes paulistas aprisionaram centenas de índios que foram levados como escravos. Milhares foram mortos e as reduções foram destruídas. Uma parte dos Guarani fugiu para o sul acompanhada pelos jesuítas que fundaram novas reduções na Província do Tape, hoje Estado do Rio Grande do Sul.     

Territórios kaingang no Estado do Paraná

Os Guayaná, possíveis antepassados dos Kaingang atuais, viviam, à época da chegada dos primeiros portugueses no século XVI próximos ao litoral, entre Angra dos Reis e Cananéia. Viviam nessa época, em constantes guerras com os Tupi  e os Tamoios. Alguns grupos foram logo cooptados pelos portugueses e franceses, mas outros preferiram deslocar-se para fora da arena de contenda. O Cônego Pennafort afirma

 “Muitos tupí-nà-kí ou goiá-ná, preferindo deslocarem-se a submeterem-se aos portugueses em Pirá-tininga, tomaram a direção sudoeste, e estabeleceram-se na serra Apucarana, além do rio Tibagy, onde em 1661, Fernão Dias Paes Leme os encontrou, divididos em três reinos...” (Pennafort, 1900: 334).

É preciso esclarecer que os Tupis ou Carijós que viviam no litoral paranaense no século XVI, desapareceram ainda no período colonial e os atuais Guarani que vivem hoje no Paraná vieram do oeste de seus territórios nos séculos XIX e XX. Por outro lado, a região onde antes existiram as reduções jesuíticas foram ocupadas pelos Kaingang que, após a destruição das referidas reduções, se deslocaram do leste para o oeste, fugindo da perseguição dos portugueses. Outros grupos que resistiram à redução também continuaram refugiados nas florestas como os Xetá e os Xokleng. Na segunda metade do século XVII os mapas da época assinalavam a presença dos Guayaná (Guaianá) às margens dos rios Iguaçu, Santo Antonio, Chopim, ao sul do rio Uruguai e nos campos de Palmas (Becker, 1976). Os mapas do século XVIII mostram que os Kaingang estavam instalados nas bacias dos rios Tibagi, Piquiri, Ivai e Iguaçu.

A região norte-paranaense tornou-se, a partir da destruição das reduções jesuíticas, território predominantemente kaingang. Cada cacique, com seu grupo local, estabeleceu-se nos campos existentes no meio das imensas florestas de araucária que cobriam a região. Isto também ocorreu em outras regiões do sul, conforme foram-se espalhando após sua interiorização. A exploração das florestas e de seus recursos era definida segundo regras culturalmente estabelecidas. A exploração dos pinheirais seguia uma regra rígida: cada grupo tinha sua área de exploração demarcada pelo cacique principal e a não-observação dessa regra acarretava cisão e guerra com os outros subgrupos da comunidade. As guerras entre os grupos rivais kaingang eram freqüentes (Mabilde, 1983; Métraux, 1946; Taunay, 1931).

A maioria dos autores tem enfatizado o rapto de mulheres como o motivo principal das guerras entre grupos kaingang e com outras etnias. No nosso entendimento, seria preciso aprofundar mais os estudos sobre os aspectos simbólicos da cultura kaingang, pois sabemos que os casamentos eram exogâmicos e celebravam a aliança política entre as famílias. Se a aliança política era produzida pela troca de mulheres, o rapto delas só poderia representar inimizade e guerra. Por outro lado, com a chegada dos brancos (fóg; fóng), a cisão passou a ser entre os grupos que aceitaram o contato amistoso com os brancos e os grupos que rejeitaram tais contatos.

Politicamente os Kaingang se organizavam em grupos locais, geralmente uma família-extensa, cada qual com seu cacique que se estabelecia numa aldeia ou toldo. Segundo Pennafort (1900), Mabilde (1983) e outros, a organização política dessa etnia era baseada no sistema de chefia (cacique principal) e vários caciques subordinados. Estes deviam rígida obediência àquele. Parece ter havido, no passado mais remoto, uma ética de guerra com tréguas, respeito aos momentos de enterramento dos mortos, etc. (Mabilde, 1983). No século XIX, porém, os relatos parecem apontar para uma guerra de extermínio entre os grupos conflitantes. Eis outra questão a ser melhor estudada. É possível levantar algumas hipóteses em relação ao sistema político dos Kaingang: quanto mais antigas as fontes, mais indícios temos de que os antigos Guayaná tinham uma organização mais complexa.

O contato com os colonizadores trouxe como conseqüência a desestruturação desse sistema original, transformando e integrando-o ao sistema colonial. O relato do bandeirante Fernão Dias Paes Leme, citado por Pennafort, descreve minuciosamente, o sistema de chefia dos Guayanãa na serra Apucarana, em 1661. Ele próprio (o bandeirante) convenceu esses índios a abandonar a serra Apucarana e se fixar em São Paulo. Essa experiência já deve ter desorganizado o sistema de chefia anterior. Com as sucessivas mortes dos caciques, o grupo, segundo ainda Pennafort, teria retornado ao lugar de origem. Mas ficam no ar algumas perguntas: de que forma de reorganizaram? Houve depopulação ou não? Por quanto tempo e que tipos de influências tiveram em São Paulo?

Mas nem só de guerras viviam os Kaingang. O culto aos mortos – o veingreinyã – era o principal ritual dos Kaingang, ocasião em que eram convidados todos os grupos vizinhos – parentes e aliados. Além das cerimônias aos mortos, as crianças recebiam seus nomes e pinturas de suas respectivas metades. Era a forma maior de confraternização da sociedade kaingang. Mas havia também rituais menores, entre aldeias da mesma comunidade como, por exemplo, quando faziam a pesca de pari, convidavam os parentes de aldeias vizinhas para comerem juntos, à beira do rio, conforme ainda se lembra uma anciã de São Jerônimo, ou ainda após uma colheita bem sucedida faziam rituais com carnes de caça acompanhados de emi ou piché (alimentos à base de milho), regados pela bebida kifé (bebida à base de milho mastigado).           

Origens dos Guarani que vivem hoje na região norte do Paraná

Os grupos guarani que habitam hoje o Paraná provêm de vários deslocamentos migratórios de natureza messiânica[7] que surgiram a partir de 1820 com dois grupos nhandéva, os Taniguá e os Oguauíva, e, em 1870, com um grupo apapocúva (também nhandéva), de acordo com  Nimuendaju (1983). Em 1912, Schaden (1962) registrou outro grupo apapocúva. Os Guarani saíram do Paraguai e Mato Grosso, em direção leste, à procura da Terra-sem-Mal. Além desses grupos que saíram espontaneamente, temos vários grupos kaiowá que foram trazidos do Mato Grosso pelos colonizadores, conforme veremos.

Na região por nós pesquisada, a história do contato entre os Guarani, os Kaingang e os colonizadores ou pioneiros, como aqui são conhecidos, tem origem no interesse do Império em encontrar um caminho terrestre ligando o Rio de Janeiro com o Mato Grosso, passando pelas terras paranaenses sob o comando de João da Silva Machado, mais conhecido como Barão de Antonina. Este, ao mesmo tempo que cumpria a tarefa que lhe fora incumbida, ia posseando todas as terras que reconhecia em seu nome. Este personagem chegou a ser dono da maior parte das terras, indígenas ou não, dos estados de Mato Grosso, São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Essa foi a forma simbólica de legitimação da conquista, acompanhada, depois, por formas concretas de dominação e ocupação das terras indígenas.

Os territórios indígenas, ocupados desde tempos imemoriais, por formas determinadas historicamente e de conformidade com a organização social e cultural de cada nação, é surpreendida com a invasão de outros povos, vindos de continentes estranhos, os quais traziam, no bojo de suas expedições o projeto de implantar outros padrões culturais e, mais do que isso, de transformar todos os povos autóctones em súditos de reinados europeus.

Para efetivar a conquista das terras reconhecidas pelas expedições organizadas pelo Barão, foi estabelecida uma política de fundação de colônias militares e formação de aldeamentos, onde os indígenas seriam aldeados e catequizados. Os indígenas deixariam de ser um perigo para os colonos e para as expedições e constituiriam a mão-de-obra para as lavouras e os demais serviços necessários nas colônias e nos aldeamentos. A maior colaboração dos grupos indígenas cooptados foi terem servido de guias e intérpretes nas expedições, assim como na atração e no convencimento dos grupos arredios kaingang para que se aldeassem.     

Numa das expedições de reconhecimento, sob ordem do Barão, o sertanista Lopes e o cartógrafo Elliot, depararam em 1830 com índios Kayoá, que Elliot afirma serem selvagens, perto da vila de Itapetininga. Provavelmente encontraram os Tañiguá e os Oguauíva, aldeados pelo governo no ano de 1837 entre os rios do Peixe e Itariri (Nimuendaju, 1987: 11-12). Teriam vindo d’além Paraná, segundo lhe contaram; atravessaram o rio Paraná, abaixo da barra do rio Ivai, subiram este rio até as ruínas de Vila Rica, transpuseram sua margem direita e dirigiram-se para o Tibagi; atravessaram a cordilheira dos Morros Agudos, chegando até os Campos Gerais; inclinaram para o norte, sempre cuidando para não dar de encontro com os brancos. Depois de anos de vida errante e cheia de privações apareceram em Itapetininga onde foram bem recebidos e lá permaneceram cerca de dez meses quando resolveram retornar aos sertões do rio Paranapanema, entre os rios Taquari e Itariri. Em 1844, apareceu outro grupo numa fazenda posseada pelo Barão de Antonina que os aldeou em São João Batista. Em 1845 os sertanistas deram com outro grupo Kayoá. Eram todos remanescentes dos movimentos messiânicos que se separaram ou desistiram no meio do caminho (Elliot, 1847).

Em 1847, descendo o rio Ivinheima, os sertanistas encontraram um grande número de Kayoá na margem direita. O Barão de Antonina mandou-lhes brindes algumas vezes, e eles demonstraram interesse em deixar o lugar. Esse grupo era liderado pelo cacique Liguajuru, depois conhecido como cacique Libânio, certamente nome de batismo. Este mandou seu filho Iguajú com a comitiva de um negociante a fim de visitar o Barão de Antonina e saber se era real a possibilidade de se fixar no Tibagi, conforme mandara dizer ao seu povo. Muito bem recebido, o Barão convidou-o a se aldear no Jataí. O quanto interessava o aldeamento desse grupo, pode-se perceber no relatório de Elliot:

 Não contente com estas recomendações a Iguaju, chamou s.exa. a Simão Sanches, natural do Paraguay e versado no idioma guarany, assim como são todos d’aquele paiz, e incumbiu-lhe de ir em companhia do filho do cacique munido de presentes para essa tribu, e de canôas para transportal-a si por ventura assim o quizesse espontaneamente (...) Sanches (...) distribuiu os brindes ..., pedindo também ao cacique que fizesse igual convite aos chefes de outras tribus que lhe fossem mais próximas, pois que a todos daria transporte e manutenção” (Elliot, 1856: 437).

Assim tratados com tantas promessas, Liguajuru conseguiu convencer sete grupos vizinhos a se mudarem para o Jataí. Quando Sanches retornou para iniciarem a viagem rumo ao Tibagi, foi surpreendido pelo cacique Liguajuru que o aguardava com mais sete caciques e suas gentes, cerca de quinhentas pessoas entre homens, mulheres e crianças. Pela precariedade das condições oferecidas aos índios durante a viagem, a maioria dos grupos acabou fugindo para as matas ou retornou para seus locais de origem.

Nova tentativa foi feita em 1852 para trazer os Kayoá do Mato Grosso até o Jataí, tarefa nada fácil pelas desventuras passadas e pela divulgação, entre os grupos, do mau tratamento recebido por parte do Barão de Antonina. Mas os Kayoá estavam vivendo em condições muito precárias no Ivinheima, pressionados pelos seus inimigos e assim alguns grupos aderiram à migração. Alguns eram desistentes da viagem anterior como o cacique Imbirapápá. Os outros caciques que aderiram com suas gentes foram: Imbiará, Imbaracahy, Oquê e Egipapajú, num total de cento e setenta pessoas. Novas promessas do Barão de Antonina foram transmitidas aos indígenas através de Elliot que assim relata:

contei-lhes miudamente a abundância que encontrariam nas margens e florestas do Tibagy, cheias de palmitos, ricas em fructa, caça e mel, e o rio sobejando em peixe, e por fim que iriam deparar com a mão protectora e generosa de Pahy Guassú, que os defenderia de seus inimigos, e lhes socorreria em suas necessidades”(Idem: 441).

A travessia, relatada por Elliot, foi cheia de vicissitudes, mas conseguiram chegar ao Jataí no dia 21 de novembro de 1852.

Essas duas experiências de interação entre colonizadores e índios Kayoá evidenciaram o choque entre sistemas culturais totalmente diferentes. Os Kayoá, ao renominarem o Barão de Antonina como Paí Guassú – grande chefe – projetaram nele as expectativas em relação a um cacique principal: generosidade, lealdade, segurança, etc. As promessas que foram feitas, através de Elliot, devem ter reforçado essa concepção, pois era tudo que esperavam de um Paí. Ao sofrerem toda sorte de perigos e carências durante a primeira viagem, abandonaram a expedição e divulgaram a quebra da promessa por parte de Paí Guassú. A segunda tentativa foi dificultada pelas notícias que correram entre os grupos indígenas e só ocorreu porque  as condições de vida onde viviam eram precárias. Não fosse isso, certamente não teriam migrado. A viagem, narrada em detalhe por Elliot, só não malogrou pelo esforço do cartógrafo inglês que teve de distribuir presentes e víveres durante todo o trajeto, de forma cada vez mais parcimoniosa para que não faltassem até que acabasse a jornada ou até que chegassem os suprimentos que solicitara, prevendo que o que tinha era insuficiente. Elliot calculara o tempo de duração da viagem segundo a racionalidade européia: levou apenas uma semana para encontrar os remanescentes guarani da primeira viagem que ficaram nas matas das bacias dos rios Pirapó e Paraná, mas a volta, trazendo os índios, até o Jataí levou trinta e nove dias. Elliot assim relata sua angústia e sofrimento:

Por mais diligência que praticasse para que a nossa partida do pouso se fizesse cedo, nunca o pude conseguir, porque ao cahir da noite começavam os Índios os seus folguedos de cantos e danças que levavam até meia noite, e à madrugada repetiam a mesma cousa até alto dia. O cacique Imbaracahy era sempre o que presidia a estes actos, e lhes dava regularidade com certas formalidades e cerimonias que pareciam religiosas, e perguntando-lhe eu a significação de tantos festins, respondeu-me que tudo era em louvor do Pahy Tupan (Deus); todavia não dei muito peso a esta asserção pelo quanto havia ahi de desenvolto. (...) Tinha levado comigo alguns pannos, ferramentas e outros objetos próprios para presentear os índios, mas a sua distribuição era feita com bastante parcimônia e por intervalos, porque sendo eles em quantidade de não poder satisfazer as suas repetidas exigências, visto que não contava com tanta gente do modo que os índios queriam, ficava logo exhaurido d’esses objectos, e deixava de ter o gentio na expectativa que os fazia conter”(idem: 442-443).

Portanto, de um lado, os Kayoá esperavam que o representante do Paí Guassu distribuísse, generosamente, os presentes conforme a ética guarani, de outro, Elliot economizava os bens cujos objetivos nada tinham em comum com os daqueles. As ações culturalmente orientados dos Guarani foram interpretados por Elliot como meros caprichos e ao enfrentar o descontentamento dos índios, foi como

pesado encargo que me havia imposto de conduzir índios selvagens, que sendo no geral cheios de susceptibilidades e de aprehensões fantásticas, os de que se trata tinham a mais d’isso o sestro de se enfadarem pela mais tênue cousa, ou porque não eram logo satisfeitos seus caprichosos desejos e de ameaçar-nos com sua retirada para os lugares d’onde sahiram; esse pesado encargo, como digo, obrigava-me à condição de minimamente tolerante e sofredor, para que pudesse dar um resultado satisfactório da minha comissão” (idem: 442).

Na narrativa de Elliot sobre a viagem dos Guarani do Mato Grosso até o Jataí, o estranhamento mútuo é evidente. Da mesma forma que Elliot não compreendia a razão dos rituais guarani presididos pelo cacique que também era um Nhanderú, os Guarani exigiam a generosidade do estrangeiro que lhes prometeu fartura e segurança, generosidade que se esgotava com o alongamento da viagem. Os suprimentos que Elliot mandara buscar nunca chegaram e até mesmo a alimentação chegou a ser racionada. A chegada à colônia militar do Jataí foi festejada tanto pelos colonizadores quanto pelos Guarani e representou o fim de uma agonia: para os primeiros porque tinham conseguido trazer os Guarani para, finalmente habitar o aldeamento  São Pedro de Alcântara, até então existente no papel, e, para os Guarani, porque esperavam viver sem sobressaltos numa terra prometida. Encontro entre povos ou desencontro?

A pacificação dos Kaingang da bacia do Tibagi

Do (des)encontro de duas sociedades diferentes, a brasileira e a guarani, tornadas aliadas pelas circunstâncias, simbolizado pelo ritual de (re)nominação, brancos e guarani ligaram-se na historicidade paranaense. João da Silva Machado/Barão de Antonina, tornou-se Paí Guassu e o Paí Liguajuru, capitão Libânio. Essa aliança, na tradição cultural das duas nações, significava lealdade recíproca. Juntos, tinham como objetivo guerrear os Kaingang, conhecidos como Coroados, pacificá-los e aldeá-los.

Como vimos, o primeiro aldeamento indígena no norte do Paraná, fundado pelo governo imperial, foi ocupado pelos Guarani trazidos por Elliot em 1852 e outros grupos que foram chegando nos meses subseqüentes, parentes e aliados dos primeiros. Os sertanistas contratados pelo Barão de Antonina, junto com esses Guarani promoveram a atração e a pacificação dos Kaingang que viviam livres nas florestas de toda a região. A história registra várias batalhas com mortes de ambos os lados. Na nova conjuntura histórica, as relações entre os Guarani e os Kaingang ainda se deram a partir de suas concepções míticas, mas o sentido histórico foi alterado. Guarani e Kaingang tornaram-se personagens de uma nova história com a entrada de uma nova personagem, o branco conquistador que, ao submeter os povos indígenas, implantou uma nova sociedade cujas relações sociais – com outros homens e com a natureza – eram de dominação. Assim começa, para os Kaingang e os Guarani, uma nova história.

Quando os Guarani se fixaram na bacia do Tibagi, os Kaingang viviam nas florestas em toldos e acampamentos que estabeleciam nos campos existentes nas imensas florestas de araucária. Produziam e reproduziam-se socialmente, tirando das florestas, campos e rios, sua subsistência; da geografia que delimitava seu território e da história que nela inscreviam, construíram uma sociedade da abundância. Viviam da caça, pesca, mel, frutas, raízes e larvas; produziam milho, abóbora, amendoim e feijão em roças de coivara. Sua medicina era suficiente e eficaz, sempre associada ao conhecimento mágico dos xamãs; seus artefatos iam de cestos de taquara, de vários tipos e tamanhos para diversas finalidades, à tecelagem com fios de caraguatá e urtiga brava; tinham técnicas sofisticadas para curar ferimentos de guerra, assim como eram sofisticadas as suas armas. Tinham também um sistema de comunicação através de flautas de taquara, de sinais com pauzinhos e desenhos que Borba denominou de hieróglifos. Sobre esse território construíram seus mitos e sua memória (Mabilde, 1983; Becker, 1976; Borba, 1908).

No século XVIII, a expansão das sesmarias se fez em direção ao sul e a oeste, pelo caminho das tropas que ligava São Paulo ao Rio Grande do Sul. Vários fazendeiros faziam a limpeza das terras através de expedições punitivas aos Kaingang e aos Xokleng que atacavam as tropas e as fazendas recém-instaladas em seus territórios. Conforme Wachovicz (1988: 79) “em 1812, José Félix da Silva organizou um grupo de aventureiros, afugentou os índios e formou a fazenda Fortaleza, que ficava ao norte do núcleo de Tibagi”. Mas foi no século XIX, com a chegada das expedições de conquista que tiveram início mudanças radicais na vida desses Kaingang. A Carta Régia de 1808 assinada pelo Príncipe regente declarando guerra aos índios do sul e a Real Expedição de Guarapuava simbolizavam a política de ocupação dos Campos Gerais e as terras a oeste até as margens do rio Paraná. Foram organizadas dezenas de milícias de extermínio aos indígenas da região sul, expedições particulares financiadas pelos fazendeiros para eliminar os “obstáculos” ao “progresso da civilização”.

Como resultado dessas ações, praticamente todos os grupos indígenas viviam em constantes sobressaltos pela possibilidade de serem exterminados. No século XVIII muitas fazendas já tinham se estabelecido no Paraná e os povos indígenas estavam cercados e seus territórios estreitados. Cada vez mais se escondiam em áreas de difícil acesso e, como conseqüência, passaram de uma condição de vida de abundância à de extrema carência: não podiam mais fazer suas roças sem serem descobertos, e parte dos seus territórios, de caça, coleta e pesca, estava transformada em fazendas de gado. A alternativa dos aldeamentos, oferecida pelo governo imperial através de seus prepostos, acabaria sendo uma alternativa de sobrevivência para alguns grupos kaingang.

Em 1858 alguns Kaingang decidiram aparecer no aldeamento de São Pedro de Alcântara onde se haviam fixado os Kayoá trazidos por Elliot, causando grande pavor aos colonos, escravos africanos e, naturalmente, aos Kayoá, seus arqui-inimigos. Nessa ocasião os Kaingang levaram tudo o que puderam das casas e das roças dos Guarani. A fim de garantir que a população nacional não abandonasse a colônia militar do Jataí e os Guarani, o aldeamento, os diretores solicitaram reforço policial e distribuíram brindes aos Kayoá (Wachovicz, 1987).

Por causa desse ataque dos Kaingang, o governo ordenou ao sertanista Lopes que auxiliasse no trabalho de pacificação dos Coroados, como eram apelidados. Foi providenciado um intérprete que entendesse a língua kaingang para fazer os contatos e convencer os Kaingang a se aldearem. Os Kaingang disseram que estariam dispostos a aceitar o aldeamento para terem acesso ao machado, foice, facão, roupa, etc. que os brancos tinham. Os Kaingang contatados disseram que viviam em cinco toldos no local denominado Caraguatá, distante três a quatro dias a oeste do rio Tibagi. Mais tarde, o diretor da colônia militar do Jataí, Major Muniz, foi visitá-los nos toldos onde vivia o grupo kaingang denominado Dorins e, segundo soube, eram os mesmos que tinham atacado e queimado o aldeamento de Atalaia (hoje Guarapuava) em 1825.

Contaram os Dorins que, após aquela ação, foram ocupar os campos de Palmas, tendo tentado aliar-se aos Votorões e Camés, o que não conseguiram. Ao aceitarem o aldeamento, os Votorões e os Camés permaneceram leais aos colonizadores e nessa posição guerrearam contra os Dorins que foram derrotados. Conforme Wachovicz, apesar de em menor número, os guerreiros chefiados pelo cacique Viri, nomeado capitão pelos brancos, receberam armas de fogo dos brancos e lograram a vitória. Com a derrota, os Dorins emigraram para o Mato Grosso onde enfrentaram enfermidades, uma parte dos quais voltou para o Paraná antes da Guerra do Paraguai e a outra fixou-se, depois, à margem esquerda do Paraná. Mas o local era estéril e a fome os assolou levando-os a procurarem uma aproximação com os colonizadores em 1858 (Wachovicz, 1987: 43).

Pela reconstituição feita por Wachovicz, aqui apresentada de forma resumida, fica evidente que os próprios índios aldeados eram utilizados para enfrentar os grupos arredios da região. Utilizando-se da (re)nomeação dos caciques, os aldeados transformavam-se em soldados do Império que foram guerrear, muitas vezes, parentes arredios que rejeitaram a aliança com os brancos. Os nomes dos grupos que aparecem nos registros históricos – Dorins, Camés, Votorões, Xokrens, etc. – nada mais eram do que nomes das metades a que pertenciam os caciques kaingang. Os caciques aldeados recebiam o título de capitão e recebiam uniformes e armamentos. Além da patente, recebiam nomes cristãos que se somavam aos de origem ou os substituíam e quase sempre recebiam soldos do governo. Essas relações interétnicas e a fusão das fronteiras culturais constituem, do ponto de vista antropológico, um fenômeno social da maior importância histórica. Nas sociedades indígenas em geral, o ritual de (re)nominação tem uma significação cultural fundamental: representa a passagem de status do indivíduo na estrutura social.

Nesse encontro com o colonizador, ocorreu uma clivagem étnica (Sahlins, 1990) porque o evento produziu um valor e deu origem a práticas que tinham um sentido pre-existente. Iniciou-se com os presentes (brindes) distribuídos pelos sertanistas quando fizeram os primeiros contatos. Como nos ensinou Mauss, amigos trocam presentes, da mesma maneira que os presentes criam amigos. Uma vez aldeados, seguiram-se outros rituais que promoveram, simbólica e praticamente, mudança de status: através das cerimônias de batismo receberam nomes cristãos e, ao receberem a patente de capitão, os caciques e seus grupos foram incorporados, irremediavelmente, na estrutura do colonizador. 

Vários caciques e seus grupos locais viviam na bacia do Tibagi: Arepequembá, Covó, Cairu, Gregório são os mais conhecidos. Todos foram convencidos a viver nos aldeamentos do Império e, através dessa estratégia, transformaram-se em agentes a serviço dos colonizadores. Vários desses caciques viajaram para outros estados para lutar contra outros grupos arredios. Wachovicz (1987: 77) afirma que em 1872 “voltaram de São Paulo vários Kaingang chumbados pelas costas, tendo sido mortos o cacique Manoel Arepequembá, sua mulher e uma filha. A matança ocorreu na confluência dos rios Itararé com o Paranapanema, na propriedade de João Paiva”. A índia Vanuíre que ajudou a pacificar os Kaingang do Estado de São Paulo seria originária do Paraná. Em 1912 o Serviço de Proteção ao Índio contratou doze Kaingang de São Jerônimo para compor as expedições de pacificação dos grupos arredios de São Paulo e em 1914 uma família extensa de São Jerônimo foi levada para ajudar na pacificação dos Xokleng em Santa Catarina (Santos, 1987 ; Namen, 1994).

Uma vez aldeados, tanto os Guarani quanto os Kaingang passaram a fazer parte do sistema de colonização e efetivação da conquista dos grupos arredios. Os aldeamentos de cada etnia eram separados no início: os Kayoá ficaram no aldeamento de São Pedro de Alcântara, em frente à colônia militar do Jataí (atual cidade de Jataizinho) e os Kaingang ficaram no aldeamento de São Jerônimo (atual cidade de São Jerônimo da Serra). Frei Timótheo, diretor do aldeamento de São Pedro de Alcântara registrou em seus relatórios informações importantes sobre o comportamento dos dois grupos, entre as quais algumas nos interessam: a) em 1870 um grupo guarani saiu do aldeamento de São Pedro e foi viver em São Jerônimo perto dos Kaingang; b) houve vários conflitos entre grupos rivais kaingang; c) as rivalidades entre os Kaingang e os Guarani eram freqüentes; e) em 1877 houve um surto de varíola quando morreram, em apenas oito dias, mais de 400 índios de todas as idades; nessa ocasião muitos grupos fugiram para as matas com medo da doença (Wachovicz, idem: 77). 

Ainda de acordo com a pesquisa de Wachovicz, a história registra também a tentativa do cacique Joty, que vivia no outro lado do rio Ivai, de juntar todos os grupos, aldeados e arredios, para expulsar os invasores brancos. Não conseguiu seu intento porque os caciques aldeados preferiram permanecer fiéis aos brancos, exceto o cacique Covó. Mas era comum grupos aldeados optarem pela deserção, por causa das rivalidades entre os grupos, pelas condições de vida às quais não se adaptavam e, principalmente, por causa das doenças e epidemias.

É preciso falar do papel dos missionários nos aldeamentos do Império por ser este um dado importante na conquista dos povos indígenas e de seus territórios. Os freis capuchinhos foram os heróis civilizadores que tinham como missão impor a cultura européia aos índios conquistados. Além de tentarem converter os índios em cristãos, ensinavam os bons hábitos aos seus dirigidos. Um dos maus costumes que tentaram mudar foi a poligamia dos caciques kaingang. Os caciques e guerreiros reconhecidos podiam ter várias mulheres. Frei Timótheo assim interpretava os costumes indígenas:

... sem o auxílio de um pouco de severidade ... fazer-lhes abandonar os suos maus habitos, e reprimi-los no descasamento e audácia com que os praticam ... até pelo lado da prostituição das mulheres, autorizadas pelos próprios maridos...” (Frei Timótheo, apud Wachovicz: 1987: 37).

 Sabe-se que a prática da poliginia entre os Kaingang fazia parte da cultura kaingang. Os chefes políticos tinham várias esposas que resultavam das alianças estabelecidas com diferentes grupos locais. Por outro lado, os guerreiros que se distinguiam nas batalhas podiam receber do cacique algumas mulheres. Aos olhos cristãos esses costumes ganhavam outros significados e foram classificados como costumes selvagens e bárbaros. A catequese era parte fundamental do processo civilizatório e os agentes missionários faziam parte da estrutura montada para a efetivação da conquista. Se, porum lado, os bandeirantes, exploradores, expedicionários e principalmente os bugreiros praticavam a violência física contra os indígenas, e os fazendeiros e seus bugreiros tiravam dos índios seu suporte territorial, por outro, pode-se dizer que os missionários empregavam uma prática de violência mais velada, porém tão destrutiva quanto aquela, pois tentavam destruir seus suportes sociais, religiosos, morais e simbólicos.

Através desses sistemas combinados, os últimos Kaingang arredios da região norte do Paraná foram pacificados por volta de 1930. Dois grupos foram contatados entre os rios Laranjinha e Cinzas, afluentes do Paranapanema. Segundo nossa pesquisa, as mulheres guarani que vivem na Área Indígena Laranjinha, lembraram-se que em 1934 ocorreu uma epidemia de gripe espanhola que assolou todas as populações nacionais e indígenas. Os Kaingang recém-aldeados recusaram-se a tomar os remédios distribuídos pelo SPI (desconfiados que poderiam ser veneno) e por isso todos morreram. Um segundo grupo, maior, foi levado para a região do Ivai mas não há registros sobre o seu destino.

A vida nos aldeamentos foi organizada de tal sorte que, em primeiro lugar, as terras ficassem livres para colonização. Por outro lado, a necessidade de mão-de-obra era grande e os indígenas aldeados seriam administrados em locais onde pudessem desenvolver grandes lavouras, tanto para subsistência própria quanto para fins comerciais ou para abastecer as expedições que passavam pelas colônias em direção ao Mato Grosso. Os relatórios dos diretores registraram quadros de produção dos aldeamentos – milho, feijão, arroz, açúcar, aguardente. Plantavam-se também produtos de consumo como mandioca, café, algodão, abóbora (Leônidas Boutin, 1979: 55-65). Nesse sentido, é possível afirmar que o desenvolvimento econômico das colônias militares e dos aldeamentos deveu-se em grande medida porque puderam explorar a mão-de-obra indígena. Os trabalhos dos indígenas, nas expedições e na agricultura mercantil, somados aos dos trabalhadores nacionais, livres ou escravos, produziram as condições para a expansão das frentes de expansão invasora que transformou completamente a paisagem de toda a região.

Com a proclamação da República desapareceram os aldeamentos, e nas primeiras décadas do século XX foram implantadas reservas indígenas. A situação não mudou essencialmente com relação ao tratamento e forma de funcionamento. O que se verificou foi a delimitação e  a sucessiva diminuição das terras reservadas aos índios.

Durante todo o período denominado pioneiro no Paraná, as empresas colonizadoras conseguiram apropriar-se das melhores terras indígenas e o Estado legitimou a expropriação. Em 30 de junho de 1945, o decreto lei 7.692, assinado por Getúlio Vargas, expropriou a maior parte das terras dos Kaingang de São Jerônimo da Serra: de 14 mil alqueires que tinham em 1859, ficaram confinados em apenas dois mil alqueires divididos em duas glebas descontínuas. Em 1949, num único acordo entre a União e o governo estadual, os Kaingang perderam mais de dois terços de suas antigas terras: a área kaingang de Apucaraninha, por exemplo, que tinha 54.000, pelo decreto 06 de 1900, ficou com menos de 6.500 hectares. Esses atos revelam as contradições do Estado enquanto órgão tutelar, ou seja, o mesmo órgão que exerce a tutela também é o que pratica o esbulho das terras de seus tutelados. Analisando a forma como são administrados os postos indígenas no Paraná, é possível afirmar que existem ainda hoje ilhas de dominação colonial onde a hierarquia entre chefia e chefiados não se modernizou desde os tempos do SPI. Nestes episódios recentes, é possível perceber uma mudança na forma de consciência social dos índios em relação aos seus dilemas.

Da época dos aldeamentos até hoje, a situação dos índios reservados, modificou-se muito pouco, em termos essenciais. Desde o início, foram transformados em agricultores de produtos para o mercado. No tempo do SPI houve épocas em que todos os postos tinham grandes plantações de produtos para o mercado e rebanhos bovinos para corte. Também foram instaladas serrarias para derrubar e comercializar a madeira das áreas indígenas. De todas as políticas indigenistas houve apenas uma, as cantinas (as famílias engajadas nos trabalhos dos projetos do SPI e depois da FUNAI recebiam gêneros de primeira necessidade como alimentos, cobertores e equipamentos de trabalho), que foi considerada boa pelos índios, sendo as demais consideradas péssimas. O tempo da fartura está na memória dos mais velhos como aquele em que eram livres e donos das florestas que lhes davam tudo que necessitavam, de alimento à medicina e matéria-prima para seus artefatos e bens simbólicos. A proletarização dos índios no Paraná teve início há muitas décadas e a situação, de lá até os dias atuais, vem piorando de forma crescente. Hoje[8] eles têm ido cortar cana em Mato Grosso do Sul como forma de auferir alguma renda e lá permanecem de três a quatro meses, longe de suas casas.

Os movimentos sociais indígenas: consciência mítica e consciência histórica

Antes de entrarmos nas considerações sobre os movimentos sociais indígenas, é necessário lembrar que o sistema de controle interno ainda existe em todas as áreas indígenas da região sul. Todos os índios que saem das reservas precisam de autorização escrita do chefe de posto. Vários índios ainda recebem a patente de capitão, cabo, soldado, etc., e nas atuais administrações existe um conselho formado por número variável de pessoas da comunidade (seis a oito). Entre as funções que cumprem está a que consiste em auxiliar o cacique a arregimentar os homens para o puxirão (mutirão), para discutir questões de interesse coletivo e tomar decisões. O conselho funciona também como polícia interna. Quando há algum conflito, briga de casal, adultério, bebedeiras ou arruaças, cabe a essa polícia resolvê-los: quase sempre esta acaba prendendo as pessoas na cadeia por um ou dois dias, dependendo da gravidade da falta. A cadeia pode ser uma sala de aula ou banheiro, ou pode haver local próprio para isso. Quando não há local para funcionar como cadeia pode-se amarrá-las num tronco. Pode ocorrer que depois de solto, o indivíduo ainda tenha de trabalhar forçado em tarefas de interesse da comunidade, tais como fazer a limpeza de locais públicos. Segundo informações coletadas pela nossa pesquisa, essa polícia interna existe em todas as áreas indígenas do sul do país. Isso mostra uma das formas de transferência da violência – antes executada pelos funcionários do órgão tutelar – para dentro da comunidade, utilizando-se do mesmo expediente de nomeação e transferência da função repressiva. Por outro lado, observamos que a polícia indígena é aceita pelas comunidades por considerarem-na necessária, pois são freqüentes as bebedeiras e conflitos internos, e cada uma pode utilizá-la de acordo com suas regras, ou seja, os índios preferem ter a própria polícia a terem de se submeter à polícia dos brancos.

Outra forma de repressão utilizada pelas administrações do órgão tutor é a transferência de índios considerados problemas, pela comunidade indígena ou pela administração indigenista. Há uma grande variedade de situações vividas pelas comunidades em relação às chefias de posto. Dependendo do chefe, pode ir de uma administração mais democrática e branda até a repressão mais brutal. Os movimentos sociais que irromperam no norte do Estado entre 1979 e 1986 podem ser interpretados como resultado cumulativo de todas as formas de opressão vividas e como tentativas de alterar esse quadro.

A rebelião dos Guarani de Laranjinha deveu-se à situação de penúria porque estavam passando. Os alimentos tinham-se esgotado e as crianças só tinham banana verde cozida para comer. Os comerciantes da cidade de Santa Amélia que vendiam fiado para os Guarani suspenderam o fornecimento de mercadorias pelo volume de dívidas que tinham acumulado. A verba da FUNAI para agricultura do posto estava suspensa. Os Guarani, sem outra saída, resolveram reivindicar a devolução de um dinheiro que tinha sido enviado à Delegacia Regional (DR) de Bauru e se referia ao lucro da comunidade na safra de algodão de 1983. Com esse dinheiro poderiam pagar as dívidas e tocar mais lavouras. Como a reivindicação não foi atendida sob alegação de que o dinheiro tinha sido utilizado para atender as necessidades de outros postos (inclusive de outros estados), a decisão foi por uma rebelião: quando foi fazer atendimento naquele posto, a equipe volante de saúde da FUNAI ficou retida. Mais tarde esses reféns foram substituídos por outros funcionários da FUNAI, vindos de Curitiba para negociar uma solução.
   
Sabendo-se poucos para sustentar um movimento contra o poderoso órgão tutor e a repressão policial requisitada, os Guarani convocaram apoio de índios de outros postos, Guarani e Kaingang. E os reforços foram chegando, guerreiros do Ivai, Ortigueira, Londrina, São Jerônimo e Guapirama.

As rebeliões ocorridas em São Jerônimo, uma em 1979, e outra em 1986, tinham como objetivo expulsar os posseiros que ocupavam as glebas Água Branca e do Cedro, respectivamente. Nas duas ocasiões, convocaram reforço das comunidades indígenas de outras áreas do Paraná. Na rebelião de 1986 os Kaingang seqüestraram uma equipe vinda de Curitiba e de Londrina, funcionários da FUNAI, IBDF e INCRA. Conseguiram não só a retirada das famílias de posseiros como ainda incluíram outras cláusulas tais como a retirada dos posseiros das Áreas Indígenas Pinhalzinho e Apucaraninha e a abertura de uma estrada ligando a gleba do Cedro ao Posto.

O movimento de Londrina, por outro lado, foi, desde o início, um levante coletivo dos Kaingang e dos Guarani, dado que aponta para a existência de um consenso anterior com relação à decisão. O fato que provocou a rebelião foi a substituição do administrador da DR de Londrina (os índios queriam a sua permanência) e a nomeação de um funcionário da DR de Bauru, conhecido pelas comunidades indígenas pelas suas políticas arbitrárias e persecutórias. A presidência da FUNAI não só não atendeu o pedido dos índios de nomear o funcionário indicado como designou outro que tinha perseguido os Kaingang do Paraná. O desfecho do movimento que durou 74 dias deu-se com a nomeação de uma terceira pessoa, indicada numa lista tríplice pelos índios.

O que verificamos, em todos esses movimentos de rebeldia, é que os povos indígenas rapidamente se organizaram e o que mais impressionou foi a agilidade com que os guerreiros de outras reservas aderiram aos movimentos. Não só aderiram, engrossando cada movimento, mas participando das decisões e assumindo a condição de guerreiros. Em todas essas ocasiões pintaram-se, usaram cocares e portaram bordunas para o enfrentamento. É importante lembrar que neste estado, nem os Kaingang nem os Guarani usam pinturas corporais ou armas tradicionais. Os rituais religiosos ou de guerra kaingang desapareceram há muito tempo e não mais se pintam com os sinais simbólicos de suas metades. Os Guarani de Santa Amélia ainda têm sua casa de rezas onde rezam e usam bastões de dança e outros apetrechos cerimoniais mas não têm nenhuma arma tradicional. Em Londrina, quando ocuparam a sede da administração regional da FUNAI, pegaram as bordunas e cocares que enfeitavam as paredes das salas que nem sequer pertenciam a seus grupos. As pinturas foram feitas com tinta industrial comprada nas lojas e as pinturas no rosto e tronco não seguiram nenhum critério prévio. A intenção era comunicar uma mensagem visual aos inimigos, que deixasse claro e indiscutível que estavam vestidos e pintados para a guerra porque eram índios.

Em nossa pesquisa de campo perguntamos aos Kaingang se ainda se pintavam como seus avós e o cacique nos respondeu: “hoje só pintamos o corpo quando fazemos guerra”, numa clara alusão de que tinham retomado a condição de guerreiros. No contexto atual, os emblemas utilizados eram para afirmar, diacriticamente, sua indianidade e que nunca tinham deixado de ser guerreiros.

No decorrer dos movimentos, os rebeldes se organizaram em comissões, cada qual cuidando de algumas tarefas e para as decisões mais importantes eram feitas assembléias gerais. Essa experiência foi muito importante para todos os líderes, mas segundo eles, acarretou forte tensão porque os fatos aconteciam com muita rapidez e, da mesma forma, tinham de tomar decisões cruciais. Eram experiências completamente novas, pois os índios nunca tinham enfrentado as autoridades dessa forma e todos os acontecimentos foram acompanhados pela imprensa e outros meios de comunicação. “A cabeça fervia, parecia que ia estourar”, disse um dos entrevistados para descrever o estado de espírito daqueles dias. Um  Kaingang que foi designado para falar ao repórter de televisão alegou não ser cacique e, portanto, não ter legitimidade/autoridade para falar em nome dos índios. A comissão, então, naquele momento, designou-o porta-voz do movimento rebelde enquanto durasse. Disse-nos ele: “Saía um repórter, entrava outro. Por exemplo, se eu soubesse ler e escrever, eu me fechava num quarto e escrevia tal  coisa que eu tinha que falar e [como não sabia escrever] “escrevia na cabeça” e soltava na cabeça, defesa e ataque. Então eu tinha que me defender do que eles me atacavam e tinha que atacar eles com minha conversa”. Ao mesmo tempo que improvisava o discurso que tinha “escrito” na cabeça, o porta-voz dos índios utilizou a terminologia dos guerreiros kaingang entendendo aquela luta como de “ataque e defesa”, que ele travou com palavras. Outros índios tiveram essa experiência com os meios de comunicação de massa e alguns se revelaram excelentes oradores. Hoje estão bem mais descontraídos e gostam de participar de reuniões onde continuam exercitando a oratória.

Outro ponto observado nesses movimentos foi a busca, por parte dos índios, de apoio externo: da Igreja, da imprensa, dos advogados, das universidades, dos estudantes, dos artistas e dos políticos. O bispo de Londrina encaminhou ao Ministério da Justiça uma carta solicitando uma solução para o caso indígena. Por outro lado, como houve agressão ao delegado nomeado, vários índios foram processados criminalmente e, mais tarde, foram julgados e absolvidos.

No passado os xamãs kaingang foram proibidos de fazer seus rituais de cura e foram alvos de dura perseguição: seus ranchos eram queimados e suas práticas foram interpretadas como coisas do diabo. Também foram perseguidos todos os que se insubordinavam contra atos autoritários dos chefes de postos e outros funcionários indigenistas. Perseguições, transferências e até assassinatos foram lembrados como práticas de um indigenismo obscuro que, de certa forma, ainda existe aqui e ali, dependendo do caráter dos chefes de posto e delegados. Os movimentos sociais indígenas do norte do Paraná foram contra tudo isso porque a memória dos grupos tudo registrou. Em nossa interpretação, as rebeliões – de São Jerônimo, de Laranjinha e de Londrina – não se restringiram às questões imediatas que os provocou, mas  expressaram a revolta contra todas as humilhações acumuladas e impedidas de se manifestar durante longo tempo.

A descrença no órgão tutelar atinge não só os tutelados, mas também os próprios indigenistas, funcionários que trabalham nas administrações regionais e nos postos indígenas. Isto é compreensível porque, convivendo diariamente com os problemas que o órgão tem de administrar, vivem na pele as mesmas precariedades que os indígenas. É necessário ressaltar esta outra face da realidade para evitar a visão maniqueísta, muito freqüente na academia, que acaba falseando e simplificando a realidade, colocando de um lado os povos indígenas como vítimas e de outro os brancos como culpados e até reforçando a imagem estereotipada dos índios como incapazes e ingênuos.

Depois de 1986, como resultado dos vários movimentos de rebelião, os índios têm assento nas reuniões da administração regional da FUNAI de Londrina e discutem todos os problemas referentes às reservas sob sua jurisdição. Se as soluções são difíceis ou impossíveis, ao menos sabem onde estão localizados e até onde podem alterar ou direcionar suas pressões. Os caciques e suas lideranças são informados sobre assuntos de seus interesses e essa abertura tem começado a produzir resultados com relação ao conhecimento da máquina opressora que é o órgão indigenista.

O nível de consciência social alcançado pelos grupos envolvidos indica claramente os dilemas, as ambigüidades, as contradições, as certezas e as incertezas. A própria experiência histórica com a sociedade envolvente engendrou este quadro: tantas foram as promessas descumpridas, tantos foram os discursos enaltecedores, quantas foram as práticas anti-indígenas. Depois de mais de um século de dilapidação de seus territórios e ecossistemas, sustentáculo de sua cultura material e simbólica, parecem perceber uma luz no fim do túnel: a saída por eles mesmos. Esta saída implica um longo aprendizado. Mais que isso, desaprendizado de tudo o que até agora vivenciaram como povos administrados, para irem construindo, par ipassu, uma vida própria, mais autêntica, consciente e auto-responsável.

No bojo dos movimentos em curso, os índios criaram, em 1985, o Conselho Indígena do Paraná. O primeiro presidente da entidade, um Guarani, explica assim:

“Se iniciou essa idéia pelos próprios líderes, da comunidade indígena do Paraná. E tomaram parte, é, lideranças indígenas guarani, kaingang, do Paraná e São Paulo, e litoral de São Paulo também. Foi uma entidade muito importante, e está sendo até agora. Recentemente, como nós Conselho, é objetivo do nosso Conselho é unir os índios, resolver o problema de terra, procurar fazer algum projeto. Através do projeto, a gente chegaria aos recursos do órgão federal ou estadual, dentro da lei, que nos dá o direito. Cada vez aprimorar o trabalho, fazer um trabalho conjunto de apoio, uma entidade apoiando a outra. Porque nós também, a nossa preocupação é que nós também estamos numa transição política, presidencial, hoje em dia, e a nossa preocupação é justamente se organizar, prá gente conseguir alguma coisa com maior facilidade, que foi, por exemplo, conquistado na Constituinte, sobre o direito indígena”.

Sobre a importância da união, fala também um líder kaingang de Londrina que apoiou o movimento dos Guarani de Santa Amélia:

Apoiamos. Tudo esses postos aí é unido. Esses cinco postos que a administração de Londrina manda, então o cacique já comunica aqui e eles vão, já vão lá dar apoio. Vão lá e dão apoio, porque tendo união, a gente tem força. Estando sozinho ninguém tem força. Porque é aqui, se nós queremos defender o nosso direito, e nós [sozinhos] não temos força. Então nós temos de fazer uma união com todo mundo. E qualquer coisa, vamos entrar tudo junto, né? Certo?”

Foi, portanto, rompendo as fronteiras étnicas e conscientizando-se de suas condições como povos igualmente submetidos que os Kaingang e os Guarani apropriaram-se da identidade geral de índios. Assim unidos e unificados, assumiram-se como agentes de sua própria história, para construírem outra realidade (social, econômica e politicamente melhor)  presente na utopia que está sendo construída por eles. Antes dos movimentos, havia pouco ou nenhum intercâmbio entre os Kaingang e os Guarani, a não ser aqueles patrocinados pelo indigenismo. Hoje, conforme nos informaram, os Kaingang gostam de visitar os Guarani em Santa Amélia: combinam um jogo de futebol e lá vão passar o domingo. Isto é algo novo, pela prática do futebol e por outras circunstâncias, os Kaingang e os Guarani vão se aproximando como parceiros e aliados que se tornaram nos movimentos sociais. Os desdobramentos mostram que romperam as fronteiras étnicas e passaram a tecer uma nova história.

Kaingang e Guarani: fronteiras étnicas e identidades

Durante  século e meio de confinamento territorial e controle quase permanente, os Kaingang e os Guarani vincularam-se na história do Paraná a partir de concepções mítico-históricas. Essas concepções foram-se transformando ao longo do tempo, no contexto da colonização, como povos dominados. Atualmente as oposições entre Kaingang e Guarani são expressadas, ainda que em termos de alteridade, numa outra linguagem: os Kaingang seriam mais bravos do que os Guarani e assim também se consideram os Kaingang. Os Kaingang fazem, ainda, uma distinção entre os mestiços e os puros: os Kaingang puros são mais bravos que os mestiços.

Os Guarani de Laranjinha ainda se lembram dos últimos Kaingang arredios que foram aldeados no Posto Velho onde vivia o cacique com oito esposas, todos no mesmo rancho. Segundo as mulheres guarani que, ainda crianças, os conheceram, o homem andava inteiramente nu e as mulheres vestiam uma peça da cintura para baixo e nenhuma roupa na parte superior. Nas suas expressões e gestos, reaparece o Kaingang mitificado: ainda hoje referem-se a eles como Coroados. Falaram-nos de suas comidas feitas de milho, um tipo de pão azedo assado no borralho e de suas rezas. Segundo elas, havia outros Kaingang no Posto Velho além da família do cacique, seis mulheres e três homens. As mulheres tinham os seguintes nomes: Fangri, Mandri, Reifi, Pipui, Mangarô e Vaicó. Os homens eram: Kairí (o mais velho), Kaxêgui e Melico (o mais moço). Segundo as mulheres guarani, eram todos Coroados puros e todas tinham muito medo deles. Essa imagem de selvageria dos Coroados ainda está presente no imaginário dos Guarani que, por terem sido pacificados mais cedo e, talvez por terem intermediado na pacificação desses Kaingang, sentem-se, em relação aos Kaingang em geral, mais civilizados.

Na construção da identidade étnica, os Kaingang também se sentem mais índios do que os Guarani e é também uma extensão do que pensam os brancos da região, principalmente os indigenistas regionais que lidam com as duas etnias. O próprio processo de incorporação das sociedades indígenas na sociedade nacional, no tempo e no espaço, parecem ter contribuído para a manutenção da imagem do Kaingang como bravo e selvagem, embora esta tenha sofrido alterações e relativizações ao longo do tempo. A condição de tutelados tem trazido mais aproximações do que separações: são igualmente reféns do mesmo governo.

Se antes as guerras eram ocasionadas pelo rapto de mulheres, hoje encontramos em quase todas as áreas indígenas alianças entre Kaingang e Guarani através da troca de mulheres, ou seja, há um número significativo de casamentos interétnicos, evidenciando esse processo de aproximação. Nas áreas mais antigas de convivência, como São Jerônimo da Serra, o número de casamentos interétnicos é maior e em todas as terras registramos alguns casamentos mistos. Em Laranjinha há dois homens kaingang casados com mulheres guarani, mas mesmo um deles que fala e reza em guarani se considera e é considerado Kaingang (Almeida, 1983). Ainda hoje, a expressão usada para marcar a alteridade entre Kaingang e Guarani é a de que aqueles são bravos, o que quer dizer também mais índios.

Numa grande manifestação que fizeram numa praça no centro de Londrina, estiveram presentes lideranças de outros estados e de Brasília, fato que deu projeção nacional ao movimento de Londrina. Durante a manifestação, os índios passaram a falar entre si nas suas línguas, como índios, numa clara intenção de marcar sua alteridade. A experiência interétnica que enriqueceu as lideranças indígenas foi o de terem-se organizado em comissões e realizado assembléias para tomar decisões nos momentos mais cruciais das negociações, quando todas as alternativas eram analisadas de forma ágil dada a pressão que sofriam. Ao se juntarem, as lideranças kaingang e guarani, das aldeias rebeldes e das outras que vieram somar forças, os movimentos se ampliavam para reivindicações mais amplas como revelaram as pautas de reivindicações no fim dos movimentos de Laranjinha e de São Jerônimo. Portanto, pode-se afirmar que ambos começaram como movimento local, de uma comunidade específica e evoluíram ao longo do tempo das negociações até se tornarem movimentos expressivos de várias comunidades, kaingang e guarani.

Pode-se considerar todos esses movimentos sociais pesquisados como trans-étnicos e interétnicos. Em todos eles participaram Kaingang e Guarani, sobrepondo-se à questão étnica para dar lugar a uma luta de povos antes hostis entre si agora unificados na condição de dominados contra seus dominadores. Os dominados, ao se pintarem como guerreiros, assumiram-se como índios, categoria geral que os uniu. Como índios, lutaram pelos seus direitos e por um tratamento mais digno. Como índios, buscaram apoio dos segmentos mais sensíveis da sociedade dos não-índios. Assim nivelados, conseguiram vitórias significativas. Entretanto, cabe esclarecer, isto não significa que com esses movimentos os Kaingang e os Guarani tenham abdicado de suas identidades étnicas. Muito ao contrário, em situações normais, cada qual se identifica e identifica o outro como Kaingang ou Guarani e, dependendo das circunstâncias e interesses, utilizam esta auto-imagem específica ou aquela, mais ampla. Nos movimentos de Londrina descobriram-se iguais na condição de colonizados pelo branco, obrigados a se calarem, proibidos de ir e vir, de que são igualmente povos submetidos em seus próprios territórios.

Considerações finais

Como diria Sahlins, no século passado os Guarani parecem ter percebido relações míticas em ações históricas e a nova estrutura pode-se reproduzir: os Kaingang, incorporados pelas ações históricas conseqüentes, permaneceram inimigos míticos dos Guarani. Longo tempo para romper a clivagem étnica produzida pela ação dos colonizadores, a nova relação entre os Kaingang e os Guarani desvendou o tempo mítico para descobrir o tempo histórico. Nesta caminhada são heróis civilizadores, os Kaingang, os Guarani e os portugueses, pois “a história é construída da mesma maneira geral tanto no interior de uma sociedade quanto entre sociedades”(Sahlins, 1990: 09).

O que as experiências históricas dos Kaingang e dos Guarani mostram, ao longo da história recente, é que o nascimento da consciência histórica não substitui a consciência mítica. Ambas são interdependentes e são faces do mesmo processo. O que parece ter ocorrido é que, na experiência inicial, os conquistadores brancos instrumentalizaram-se da inimizade histórica entre os dois grupos colocando-a a serviço dos seus objetivos, criando um conjunto de práticas alienadoras. A própria experiência dos índios, enquanto povos administrados, controlados e submetidos, foi gerando auto-reflexões sobre suas vivências, surgindo daí uma nova consciência histórica que, por sua vez, desencadeou novas práticas.

A história dos homens é, ao mesmo tempo, mítica e histórica, porque os homens produzem histórias e mitos sobre as suas experiências vividas. Neste caso apresentado, podemos dizer que o mito, através da clivagem étnica, se fez história. Mas o contrário também é verdadeiro na história recentíssima dos pioneiros do norte do Estado do Paraná: a conquista do norte pioneiro e os próprios pioneiros viraram mito. Neste mito, conta-se que, quando os pioneiros aqui chegaram, não existia nada além das florestas virgens, além da natureza bruta. Com seu suor, sacrifício e trabalho, os pioneiros construíram a riqueza e o progresso que hoje existe no Paraná e, diz ainda o mito, que tudo foi feito pacificamente. Este ensaio teve por objetivo não só contar a história dos Kaingang e dos Guarani, personagens excluídos da história paranaense (e até hoje marginalizados), mas também desmitificar o mito do pioneiro e seus heróis civilizadores.

Referências Bibliográficas
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[1] Versão preliminar deste artigo foi apresentado na 18a. Reunião da ABA/1992 – Belo Horizonte/MG, 12 a 15 de abril de 1992. Foram acrescentadas algumas informações, preferencialmente em notas de rodapé, mas também no corpo do texto para melhor compreensão dos acontecimentos ou mudança do quadro situacional.
[2] O Tekohá Añetete foi criado em julho de 2000 quando a Itaipu Binacional comprou uma terra para os Guarani de Ocoí, expulsos de sua terra tradicional encoberta pelo lago da  usina de Itaipu.
[3] Nimuendaju refere-se aos Xetá.
[4] Nimuendajú refere-se aos Xokleng que viviam no sul do Paraná até meados do século XX.
[5] Baldus também estudou os Kaingang e denominou este comportamento ou fenômeno de transformação psicológica como aquele semelhante à licantropia (doença mental em que o paciente se supõe transformado em lobo). Não é nosso objetivo entrar no mérito das interpretações dos autores sobre esse fenômeno.
[6] Conforme manuscrito deixado por frei Timótheo “Princípio e Progresso do Aldeamento Indígena de S. Pedro de Alcântara”, publicado no Boletim do Instituto Histórico, Geográfico e Etnográfico do Paraná, No 37. Curitiba, PR. 1980. p. 265.
[7] É importante esclarecer que atualmente os pesquisadores que estudam os Guarani têm alertado que essas migrações messiânicas podem esconder fatores de ordem histórica. Muitos grupos deixaram seus locais de origem pressionados pelo colonialismo espanhol que fundaram encomendas e reduções em suas terras ou por pressões de seus inimigos tradicionais. 
[8] Os Kaingang viajaram para o Mato Grosso do Sul entre 1990 e 1996 onde iam cortar cana-de-açúcar na Usina Debrasa, no município de Brasilândia do Sul. A morte de dois índios em acidentes de trabalho, as doenças que contraíram naquele Estado (tuberculose e doenças venéreas) e a intervenção do Ministério do trabalho, fizeram com que os índios desistissem desse expediente para obter renda.

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